Agência Brasil, 27/02/2015
por Michèlle Cannes
Representantes dos povos indígenas e tradicionais e de camponeses reuniram-se hoje (27) com o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, Francisco Gaetani, e entregaram uma carta em que repudiam o Projeto de Lei (PL) 7.735/14, do Poder Executivo, que trata da Convenção sobre Diversidade Biológica. Já aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto agora está no Senado Federal.
A carta trata de pontos relacionados ao acesso ao patrimônio genético e conhecimentos tradicionais e também à repartição de benefícios com a comunidade detentora desse conhecimento. No documento, as 80 entidades signatárias alegam que foram excluídas do processo de elaboração do PL. Para elas, o texto enviado ao Congresso Nacional viola os direitos fundamentais e traz retrocessos às comunidades, já que essas pessoas não receberiam benefícios ao compartilhar com a indústria e com pesquisadores os conhecimentos tradicionais que adquiriram ao longo do tempo.
“Não somos contra ter uma lei para dar segurança jurídica, o que não pode é favorecer a pesquisa e a indústria, mas quem é detentor e provedor do conhecimento ficará prejudicado”, disse o representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Joaquim Belo.
A representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Puyr Tembé, destacou que os prejuízos podem ir além da questão financeira. “Estamos falando do valor de conhecimentos tradicionais, milenares, como os quais o governo está querendo acabar.”
Os signatários da carta alegam também que o texto do projeto favorece setores como o farmacêutico, o cosmético e o do agronegócio. Representante do Movimento dos Pequenos Agricultores e da Via Campesina, Marciano da Silva, considera o projeto uma espécie de “regulação da biopirataria”, já que facilita o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais. “Quando se transforma uma necessidade de regular o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, transforma-se esse processo de regulação na legalização da biopirataria, abrindo espaço não só para o desenvolvimento da indústria nacional, mas a toda e qualquer indústria para acessar livremente, sem qualquer forma de fiscalização, concreta sobre isso”, afirmou Silva.
Para ele, é preciso haver mais debate sobre o tema, e isso deveria ser feito antes da votação, e não durante o processo de regulamentação do texto. Silva ressaltou que, durante a reunião, os movimentos propuseram ao Ministério do Meio Ambiente uma articulação conjunta para dialogar com senadores de diferentes partidos.
Após a entrevista dos representantes dos movimentos, o secretário executivo do ministério os jornalistas. Gaetani disse que a população foi ouvida durante o processo de elaboração do documento enviado ao Congresso, mas que talvez a quantidade de encontros não tenha atendido às expectativas deles. O secretário ressaltou também que o projeto está no Senado e existe a possibilidade de conversa com os parlamentares.
De acordo com Gaetani, diferentemente do que as entidades afirmam, o projeto de lei representa um avanço com relação à legislação atual. “Ele cria condições de incentivar a exploração de biodiversidade em bases sustentáveis, cria condições para as populações, para a agricultura familiar, os povos indígenas e detentores de conhecimentos tradicionais terem acesso aos benefícios derivados de ações sustentáveis dessa riqueza do país.” Para o secretário, é mais importante ter um projeto que funcione do que uma legislação que criminaliza. “Hoje, não temos nem condição de explorar a biodiversidade, muito menos de repartir benefícios.”
A proposta prevê a revisão das leis sobre pesquisa científica e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos e dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre propriedades e usos de plantas, extratos e outras substâncias. O objetivo é a simplificação do trabalho de pesquisadores, de instituições brasileiras e de empresas com sede no exterior vinculadas a entidades nacionais.
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