OAB-RJ, 28/04/2015
Fonte: redação da Tribuna do Advogado
Em nota divulgada nesta terça-feira, dia 28, a Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ repudiou o Projeto de Lei 4.148/2008, do deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP/RS), que permite que alimentos contendo transgênicos não sejam identificados no rótulo. O PL foi votado também na terça-feira na Câmara dos Deputados. Na ocasião, o plenário aprovou, por 320 votos a 135, a subemenda substitutiva de autoria do deputado Valdir Colatto (PMDB/SC).
Na forma do §3º do art. 1º da subemenda, o tamanho do aviso sobre transgênicos pode ser de um milímetro, que é o tamanho mínimo estabelecido no Regulamento Técnico sobre Rotulagem de Alimentos Embalados, a Resolução 259/02 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“O resultado é que, infelizmente, permanece no texto aprovado o grave prejuízo aos cidadãos brasileiros, que terão cerceados os direitos à informação e à livre escolha. É um verdadeiro retrocesso, uma grande derrota sofrida pela população e proveniente daqueles que deveriam representar seus melhores interesses no Poder Legislativo”, declarou a vice-presidente da comissão da Seccional, Fernanda Bianco.
Veja a íntegra da nota abaixo.
Nota da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ sobre o Projeto de Lei 4.148/2008
(Rotulagem de produtos transgênicos)
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.148/2008, que objetiva alterar o artigo 40 da Lei de Biossegurança (Lei Federal 11.105 de 24 de março de 2005), para restringir a rotulagem identificadora dos produtos que contêm ou foram elaborados a partir de transgênicos apenas àqueles em que “análise específica” detectar a presença de organismos geneticamente modificados na composição final.
O PL prevê, ainda, sob alegadas motivações exclusivamente comerciais, a exclusão de rotulagem de alimentos destinados a animais, bem como de produtos, tais como carnes, ovos e laticínios provenientes de animais alimentados com soja, milho ou qualquer outro produto transgênico, mas que são destinados a consumo humano.
É preciso ter em mente que mais de 90% da soja e 80% do milho produzidos no Brasil são transgênicos. Boa parte dessa produção é destinada à elaboração de rações animais e de alimentos ultraprocessados (óleos, margarinas, biscoitos, etc.). Para estes últimos, o processamento industrial inviabiliza a detecção laboratorial da proteína transgênica no produto acabado.
Assim, na prática, o PL 4148/2008, de iniciativa do deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP-RS), teria como consequência a comercialização indistinta da larga maioria dos produtos transgênicos e a consequente impossibilidade de livre escolha pelo consumidor.
Este aspecto não recebe a devida importância no texto do PL, que, apesar de até reconhecer a existência de direitos do consumidor, deixa transparecer em sua justificação a quais interesses se subjuga, chegando a admitir expressamente que “… a fixação de quaisquer percentuais de presença passível de isentar a rotulagem não segue nenhum conteúdo científico, mas sim, em verdade, econômicos, ou seja, custos gerados na ‘segregação’ da matéria-prima convencional da transgênica, em toda a cadeia produtiva.”.
Ora, instituída pelo Decreto 4.680/2003, que regulamenta o direito à informação no caso de alimentos e ingredientes alimentares transgênicos, a rotulagem pode ser feita a partir da documentação fiscal que deve obrigatoriamente acompanhar o produto (seja ele transgênico ou não). Assim, não há que se falar em custos adicionais, nem mesmo na necessidade de testes laboratoriais.
Não menos importante, a totalidade da soja GM e boa parte do milho GM cultivados no Brasil são resistentes a aplicações de agrotóxico à base de glifosato, recentemente classificado entre prováveis carcinogênicos pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde. Produto químico este que responde por cerca de 40% de todo o volume de agrotóxicos usados anualmente no Brasil e se acumula mais nos grãos transgênicos.
Diante do acima exposto, a CBB-OAB/RJ entende que o projeto de lei em comento representa grave ofensa ao direito à informação e à livre escolha, consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor, em cujo artigo 6º, inciso II, dispõe especificamente como direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
Não apenas isto, mas afronta normas internacionais específicas quanto aos transgênicos, como o Protocolo de Cartagena de Biossegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica, ratificado pelo Brasil, que demanda, através de seu artigo 18. 2. a, que os países membros adotem medidas para assegurar a identificação de organismos vivos modificados nas importações/exportações, tanto os destinados à alimentação humana, quanto animal.
Como é sabido, o direito à informação é crucial à consecução dos direitos humanos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado, por sua vez essencial à sadia qualidade de vida. Isto, pois a informação exerce papel basilar no poder de escolha dos cidadãos, sendo pré-requisito fundamental ao exercício efetivo da liberdade, inclusive no ato de consumo.
Além disto, a informação adequada possibilita que se tenha consciência das consequências das decisões. Neste caso, tanto das possíveis implicações à saúde humana, quanto das repercussões na preservação ambiental, posto que apenas um consumo consciente e sustentável é capaz de viabilizar a preservação dos recursos naturais às gerações presentes e futuras.
Portanto, a Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ manifesta-se contrária à aprovação do PL 4.148/2008 e favorável à plena rotulagem de produtos transgênicos.
Rio de Janeiro, 28 de abril de 2015.
Bernardo Brasil Campinho | Fernanda Bianco de Lucena Costa |
Presidente | Vice-presidente |
Gabriel Bianconi Fernandes |
Integrante |