Ontem a ministra da Agricultura Kátia Abreu falou em preconceito em relação ao uso de agrotóxicos no Brasil. Hoje ela abriu o dicionário para ver o que mesmo quer dizer “preconceito” e se deparou com o seguinte:

A entrevista concedida à revista Época Negócios pela ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Kátia Abreu, chamou atenção pelo fato de nomear os agrotóxicos de agroquímicos. Ela sugeriu que que “há uma campanha muito organizada” contra a utilização do uso de venenos nas lavouras. De acordo com a ministra, “só venceremos preconceito contra agroquímicos se nos unirmos à ciência”.

Para Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo e ex-integrante da CTNBio (Comissão de Tecnologia Nacional de Biotecnologia), a ministra usou uma expressão equivocada e mal planejada no seu discurso com respeito aos agrotóxicos. “Quando Kátia fala que nós temos preconceito com relação a esses venenos, ela está esquecendo o fato de que preconceito é um conceito formado com antecedência ao conhecimento dos fatos. Temos 50 anos de evidência dos danos que os agrotóxicos causam à saúde”, afirma. 

Melgarejo aponta que não se trata de preconceito em relação ao uso do termo agrotóxicos. Mas sim de informação consolidada pela evidência, pelo acumulo de conhecimento científico. “Ela distorce o fato ao querer transformar a expressão agrotóxico em agroquímico ou defensivo. Sabemos que esses são produtos extremamente agressivos e tóxicos dos quais devemos manter distância”, destaca o co-autor do recém-lançado livro “Lavouras transgênicas: riscos e incertezas – mais de 750 estudos desprezados pelos órgãos de reguladores de OGM”.

O discurso da ministra chega em meio à quinta Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN) em que uma das principais reinvindicações é o não lançamento do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). No mês de agosto, a presidenta Dilma Roussef se comprometeu a lançar o programa, durante a na Marcha das Margaridas. Por isso, havia a expectativa de lançamento na CNSAN, que começou no dia 03 de e vai até o dia 06, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília. A presidenta participou da abertura da conferência, mas não assinou o Pronara.

Em decorrência desse fato, e considerando que o tema da conferência é “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”, cerca de 2 mil delegados que representam mais de 800 movimentos da sociedade civil na conferência, prepararam duas moções de repúdio sobre os agrotóxicos. A primeira é a Moção de repúdio ao não lançamento ao Pronara. E a segunda é a Moção de repúdio ao Projeto de Lei 3200/15 que revoga a lei atual dos agrotóxicos (7.802/89).

Na avaliação de Melgarejo, o discurso da ministra Katia Abreu compromete a expectativa com relação à Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). “A fala de Kátia sugere que os interesses dos produtores de agrotóxicos estão influenciando em seu pensamento, que tem responsabilidade com a qualidade dos alimentos na medida que seu Ministério (MAPA) orienta a produção agrícola no país”, declara.

O Pronara, que ainda aguarda a aprovação do governo, levará a redução dos agrotóxicos e a transição da matriz tecnológica dominante para sistemas sustentáveis de produção.

O programa foi elaborado por dez ministérios, incluindo o MAPA, com apoio de e dezenas de organizações da sociedade civil.

Na CNSAN, os participantes também estão fazendo uma campanha digital com a hashtag #PronaraJá! e recolhendo assinaturas.

Contexto

Desde 2008, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos. Enquanto nos últimos dez anos o mercado mundial desse setor cresceu 93%, no Brasil, esse crescimento foi de 190%, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Atualmente, 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos, conforme o Dossiê Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) – um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde.

Eem recente posicionamento sobre o impacto dos agrotóxicos, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) apontou que entre os efeitos da exposição crônica estão problemas de saúde, tais como, infertilidade, câncer, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal e efeitos sobre o sistema imunológico.

#pronarajá!

Texto: Juliana Dias e Mónica Chiffoleau

Foto: Ubirajara Machado

Publicado em 05/11/2015 pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar