Contag não foi ouvida sobre conteúdo da medida provisória, que modifica critérios para assentamento das famílias e transfere atribuições para os municípios

O GLOBO, 22/11/2016

Medida provisória vai transferir reforma agrária para a Casa Civil

por Catarina Alencastro

O governo editará nos próximos dias medida provisória transferindo o programa de reforma agrária para a alçada da Casa Civil da Presidência. Com isso, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, comandado pelo ministro Osmar Terra, do PMDB, passará a se chamar Ministério do Desenvolvimento Social. A partir da publicação da MP, Casa Civil e Incra acompanharão as ações federais de regularização fundiária.

A MP também altera os critérios de seleção das famílias que serão beneficiárias com títulos de terra em assentamentos. Terão preferência agricultores vítimas de trabalho em condição análoga à de escravo; trabalhadores rurais que perderam áreas devido à demarcação de terras indígenas e áreas quilombolas; e trabalhadores em situação de vulnerabilidade social. A seleção será feita por meio de editais convocados pelos municípios.

Outra mudança é a criação de uma lista de espera para aqueles que não foram contemplados na primeira etapa. Nesta segunda chance, serão contempladas em primeiro lugar as famílias mais numerosas, cujos membros se comprometam a exercer a atividade agrícola na área assentada; em segundo lugar, as famílias que morem há mais tempo na cidade onde se localiza o projeto de assentamento; e, em terceiro lugar, as chefiadas por mulheres.

Em seguida, terão preferência integrantes de acampamentos no município onde se localiza o projeto de assentamento; filhos de pais assentados entre 18 e 29 anos: e famílias que residam em projetos de assentamentos na condição de agregados. Quem tiver renda familiar superior a três salários-mínimos mensais não poderá ser beneficiário.

A MP prevê a regularização de ocupações de lotes feitas sem autorização do Incra em projetos de assentamento criados há pelo menos dois anos. Pelo texto, que poderá ser modificado, o Incra poderá doar, sem licitação, áreas de sua propriedade e remanescentes de projetos de assentamento para obras a serem tocadas por estados, Distrito Federal, municípios e entidades da administração pública indireta.

Há novos prazos para a regularização de áreas onde houve desmembramentos. A lei vigente estabelecia como referência o fim de 2013 o prazo para que essas áreas possam ter direito à regularização. O novo texto estende a legalização até o fim de 2014. Na Amazônia, mantém-se a regra de que só poderão ser legalizados lotes que tenham até quatro módulos fiscais e, no máximo, 1.500 hectares. Mas o novo texto deixa claro que ocupações que incidam sobre áreas em que demanda judicial por parte da União ou entes da administração indireta não poderão ser legalizadas até que as pendências tenham transitado em julgado.

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Para o professor da UnB, Sérgio Sauer, o texto ainda dá uma nova previsão: que após o prazo de dez anos, os assentados possam negociar os títulos da terra. Na lei atual, a redação diz que os títulos de domínios “serão inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos”. Já a nova redação, se não for modificada até a data da publicação, acrescenta que pode haver negociação depois de dez anos, contatos “da celebração do contrato de concessão de uso ou de outro instrumento equivalente”.

— (A nova redação) estabelece um prazo (que antes não tinha) para contar os 10 anos. Este prazo é “celebração de outro instrumento equivalente”, ou seja, qualquer assentamento com mais de 10 anos, os títulos concedidos já poderão ser negociados — diz Sauer, autor de artigo criticando pontos que devem ser alterados com a MP.

No artigo, Sauer também critica o poder repassado aos municípios. Além da responsabilidade de publicar os editais de seleção, os municípios também são prestigiados nos critérios de seleções das famílias beneficiadas com o título da terra. A Confederação Nacional das Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares (Contag) informou que não participou das discussões da MP.