Lutar contra os transgênicos não é fácil. O Brasil tem uma legislação frouxa onde tudo se aprova. Além disto, o país é um dos principais mercados para as empresas que vendem sementes transgênicas e venenos.

Da página do CTA-ZM, 20/09/2017

O cultivo de sementes transgênicas no Brasil começou há mais de uma década com a promessa de aumentar a produção e diminuir o uso de venenos. Até agora a promessa não foi cumprida. Pelo contrário, a expansão das lavouras transgênicas tem feito crescer o uso de venenos, já que as pragas e as plantas espontâneas estão ficando cada vez mais resistentes.Outra promessa é a criação de sementes geneticamente modificadas resistentes à seca. Mas o que sabemos é que quem está conseguindo enfrentar melhor as mudanças no clima são os agricultores que cuidam da terra e da água, diversificam a produção e cultivam sementes crioulas em suas roças. É também por isso que todos nós precisamos divulgar e trocar mais as sementes crioulas da agricultura familiar. Precisamos ainda documentar e divulgar as vantagens dessas sementes e negociar com os governos locais investimentos em programas e políticas que apoiem o seu uso.A presidente da Associação Brasileira de Agroecologia, Irene Cardoso, junto com Gabriel Fernandes (engenheiro agrônomo e pesquisador da história da entrada dos transgênicos no Brasil, que acompanhou os movimentos de resistência) explicam porque não devemos plantar, consumir nem muito menos apoiar essa tecnologia que não tem nada de social.Como os transgênicos são feitos?

Os transgênicos são organismos ou seres vivos gerados a partir de cruzamentos realizados em laboratório. Não são cruzamentos naturais, como quando feijão cruza com feijão, milho com milho e assim por diante. Com a biotecnologia, o que os pesquisadores e as empresas fazem em seus laboratórios é cruzar, por exemplo, uma planta com uma bactéria. É assim que nasce o transgênico.

O grande problema é que as empresas trabalham sempre em benefício próprio. Elas desenvolvem as plantas transgênicas resistentes aos agrotóxicos que elas também vendem. Assim, elas ganham duas vezes: ao vender as sementes e ao vender os venenos. E o que acontece é que as sementes transgênicas são bem mais caras do que as sementes convencionais, então as empresas ganham pelo menos três vezes. E muitas delas conseguem ganhar até mais, pois vendem as sementes, os venenos e os remédios que você pensa que precisa para curar a sua doença que, na verdade, foi causada pelos venenos. Resumindo: enquanto as empresas ganham por todos os lados, você perde sempre!

No Brasil, quais vegetais são geneticamente modificados?

O Brasil é hoje o segundo país do mundo em área cultivada com sementes transgênicas. São cerca de 40 milhões de hectares, segundo as empresas do setor. Aproximadamente 90% da soja, 80% do milho e 60% do algodão produzidos no Brasil são transgênicos. Além disto, também foram liberados o feijão e o eucalipto transgênico.

Qual a relação entre transgênicos e agrotóxicos?

Já está comprovado e fartamente documentado que o uso de transgênicos resistentes a herbicidas aumenta a utilização de agrotóxicos. Dados do Ministério da Saúde mostram que:

  • Entre 2003 (ano de liberação da soja transgênica da Monsanto no Brasil) e 2013, a venda do ingrediente ativo do herbicida “Roundup” (mais conhecido como randap) pulou de menos de 60 mil para mais de 410 mil toneladas;
  • Entre 2007 e 2013 dobrou o uso de agrotóxicos, enquanto a área cultivada cresceu apenas 20%. Ou seja, cada vez mais veneno é jogado por metro quadrado de plantação;
  • Entre 2007 e 2013 dobraram os casos de intoxicação;
  • Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) listou o randap (glifosato) como produto com potencial cancerígeno para os humanos.

Quais os riscos dos transgênicos e dos agrotóxicos para a saúde humana?

Agora você já sabe que o transgênico é uma tecnologia que só faz aumentar o uso de venenos e vai na contramão da sustentabilidade e do respeito à vida. Por exemplo, a soja transgênica foi desenvolvida para resistir ao randap. Com o tempo, o randap perde sua eficiência e as empresas e técnicos passam a recomendar outros venenos bem mais tóxicos para a natureza e saúde das pessoas. Exemplos de produtos mais fortes e piores para a saúde de todos os seres viventes são o 2,4-D e o gramoxone. Estes dois produtos são extremamente tóxicos. Há pesquisas recentes que mostram problemas no fígado, morte de células da placenta, aborto, má-formação fetal e perda de fertilidade quando estes produtos foram utilizados em doses mil vezes menores do que a recomendada. Imagina o que acontece quando se utiliza a dose “certa”!

Com os transgênicos, há também a possibilidade do aparecimento de novas alergias. Estudo recente de pesquisadores franceses mostrou que o consumo de milho transgênico alterou a composição do sangue e da urina dos ratos de laboratório e afetou machos e fêmeas de forma diferenciada. Uma pesquisa do governo da Áustria mostrou redução de fertilidade a partir da terceira geração de ratos alimentados com milho transgênico.

Qual a relação entre transgênicos e alimentação dos animais?

Praticamente toda ração encontrada no mercado é transgênica pois a maior parte das rações compradas é à base de milho e soja. Repare que nas embalagens geralmente tem o triângulo amarelo com o “T” preto. Pois bem, se faz mal para os humanos, certamente faz mal para os animais. Muitos agricultores têm observado que os animais domésticos e silvestres preferem rações ou grãos que não são transgênicos. Por que será? Observe seus animais e tire suas próprias conclusões! Um estudo mostrou que o milho transgênico aumentou a incidência de tumores em ratos.

Existem outros impactos negativos?

Com certeza! O primeiro impacto diz respeito ao crescente movimento de concentração empresarial no setor de sementes. Hoje praticamente não existem mais empresas brasileiras de sementes. Quase todas as empresas brasileiras já foram compradas por poucos grupos multinacionais. Ou seja, esses grupos tem o poder de controlar a agricultura, uma vez que podem escolher quais variedades ficam e quais saem do mercado brasileiro. Isto significa que as multinacionais podem escolher privilegiar apenas as sementes transgênicas. Elas também passam a influenciar os deputados para que façam leis que as ajudem e que prejudiquem o uso das sementes crioulas. Dessa forma, os agricultores passam quase a ser obrigados a comprar sementes produzidas pelas empresas. Perdemos nossa liberdade e nossa autonomia, porque perdemos nosso direito de escolha de qual semente utilizar. Perdemos nossas sementes, berço da vida e da diversidade!

Como podemos combater os transgênicos?

A cura para os transgênicos pode vir dele mesmo, se considerarmos que até hoje suas principais promessas não foram cumpridas. A tecnologia tem mostrado limitações e falhas crescentes e muitos agricultores estão decepcionados com seus resultados. Os consumidores também podem ajudar se não comprarem transgênicos, mas para isso precisamos da rotulagem. Os agricultores são os que mais podem ajudar, guardando suas sementes crioulas e não comprando sementes transgênicas para plantar. É fundamental conversar sobre a importância das sementes crioulas e valorizar o trabalho das famílias agricultoras que guardam estas sementes. As sementes são uma riqueza que está nas mãos destas famílias e seguem por diversas gerações porque são trocadas e cuidadas pelos agricultores. Ao contrário dos transgênicos, essas sementes não têm donos, mas sim herdeiros.

O que fazer para manter as nossas sementes sem contaminação pelos transgênicos?

Em primeiro lugar temos que saber que sementes estamos plantando. Milho comprado numa casa agropecuária é praticamente certeza de ser transgênico, mesmo se o vendedor não falar ou se não estiver escrito na embalagem. Para proteger nosso milho crioulo temos também que saber o que os vizinhos em volta de nossa propriedade estão plantando. É preciso conversar com eles.

É importante manter pelo menos 400 metros de distância de outra roça de milho ou plantar com 40 dias de diferença para evitar cruzamento. Também podemos fazer as roças de milho em áreas protegidas por matas. Mas a contaminação pelo transgênico é invisível.

Para guardar as sementes puras, escolhemos as melhores espigas das melhores plantas da roça. Aí descartamos as pontas da espiga, debulhamos os grãos do meio e botamos para secar no sol. Depois deixamos esfriar na sombra e guardamos em garrafas pet ou latas bem secas e vedadas. Também podemos juntar cinza ou pimenta do reino para evitar carunchos.

A atual conjuntura política e econômica do nosso país pode contribuir para que os transgênicos sejam um caminho sem volta?

Os transgênicos cresceram muito no Brasil nos últimos anos porque tiveram apoio dos governos, que criaram leis, burlaram as já existentes e deram incentivos para sua entrada. É como o caso da indústria de agrotóxicos que não paga impostos para a sua produção. Já imaginou? As empresas são incentivadas pelos governos a produzirem agrotóxicos! Hoje está difícil ver no cenário político algo que indique que esse apoio vai diminuir, já que o Congresso está repleto de ruralistas e conservadores de várias ordens. Mas esta situação pode mudar. Todos nós podemos nos conscientizar, votar e lutar para que os políticos defendam e apoiem políticas a favor da vida.

Por exemplo, temos a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que é um espaço conquistado pela sociedade civil e no qual devemos continuar lutando para ampliar o apoio à agroecologia. Devemos também cobrar de nossas prefeituras e vereadores que continuem executando o PAA e o PNAE e que criem e apoiem políticas a favor da vida. Podemos e devemos continuar mantendo nossas sementes, fortalecendo a agroecologia, a produção orgânica, respeitando todas as formas de vida e protegendo o solo e a água; participando dos nossos sindicatos e associações, das CEBs e de outros movimentos a favor da vida. Só assim, teremos um país mais justo para todos os seres viventes.

Autores: Irene Cardoso, Gabriel Fernandes e Wanessa Marinho