As sementes geneticamente modificadas ofereceram benefícios ambientais e econômicos “substanciais” aos fazendeiros norte-americanos, mas o uso excessivo da tecnologia ameaça arruinar os lucros, afirma o relatório de uma organização de consultoria científica dos EUA.
O relatório é considerado a avaliação mais abrangente do impacto das sementes geneticamente modificadas sobre os agricultores norte-americanos, que as adotaram rapidamente desde a sua introdução em 1996. O estudo foi divulgado pelo National Research Council, que é afiliado à National Academy of Sciences e presta consultoria aos Estados Unidos por meio de uma pasta do Congresso norte-americano.
A reportagem é de Andrew Pollack, publicada no jornal The New York Times, 13-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto, do Instituto Humanitas-Unisinos.
O relatório descobriu que as sementes permitiram que os fazendeiros reduzissem a fumigação química ou usassem menos químicos prejudiciais. As sementes também ofereceram aos agricultores custos mais baixos de produção, rendimento maior ou uma conveniência extra, benefícios que geralmente superaram os custos mais altos das sementes transgênicas.
“Muitos agricultores norte-americanos estão aproveitando os lucros mais altos devido à dispersão do uso de certas sementes geneticamente modificadas e estão reduzindo os impactos ambientais na fazenda e fora dela”, disse David Ervin, presidente do comitê que escreveu o relatório.
Porém, acrescentou o Dr. Ervin, professor de administração e economia ambiental na Portland State University, no Oregon, “esses benefícios não são universais para todos os agricultores”.
E também não são necessariamente permanentes. O relatório alerta que os fazendeiros colocaram esses benefícios em perigo ao plantar muitas sementes chamadas Roundup Ready. Essas sementes são geneticamente modificadas para serem inatingíveis pelo herbicida Roundup, permitindo que os agricultores fumiguem o químico para matar as pragas deixando as sementes ilesas.
O uso excessivo dessa atitude sedutoramente simples para o controle de pragas está começando a sair pela culatra. O uso do Roundup, ou de seu equivalente genérico, o glifosato, atingiu um limite em que as pragas estão se tornando rapidamente resistentes ao produto químico. Isso está tornando a tecnologia menos útil, exigindo que os agricultores comecem a usar herbicidas adicionais, alguns deles mais tóxicos do que o glifosato.
“As práticas dos fazendeiros podem estar reduzindo a utilidade de algumas características geneticamente modificadas, como as ferramentas de controle de pragas, e aumentando a probabilidade de um retorno de práticas ambientalmente mais prejudiciais”, conclui o relatório. Afirma-se que o problema requer a atenção nacional.
Mais de 80% do milho, da soja e do algodão cultivados nos EUA são geneticamente modificados. As sementes toleram o Roundup e são resistentes a insetos.
Os agricultores norte-americanos foram os primeiros a adotar amplamente a tecnologia e ainda respondem por cerca da metade de todas as sementes transgênicas cultivadas no mundo. As sementes também são amplamente utilizadas na América Latina e em partes da Ásia, mas ainda largamente recusadas na Europa.
A rápida adoção das sementes transgênicas é uma evidência de que os fazendeiros norte-americanos veem a tecnologia como benéfica.
No entanto, no debate duramente polarizado sobre as sementes transgênicas, há pouco acordo sobre qualquer coisa. Críticos divulgaram estudos que afirmam que o uso das sementes levou ao aumento do uso de pesticidas e teve apenas um efeito mínimo nos campos cultivados.
O relatório do National Research Council foi preparado por um comitê de cientistas acadêmicos, principalmente, e se baseou primeiramente em artigos revisados coletivamente.
Mesmo assim, o relatório provavelmente não irá vencer os críticos às sementes.
Um deles, Charles Benbrook, que revisou um esboço do relatório, disse que a conclusão de que as sementes ajudam os fazendeiros pode não ser mais verdade, ou pode não ser mais verdade no futuro. Isso porque o relatório se baseia principalmente em dados dos primeiros anos de uso, antes que os preços das sementes biotecnológicas aumentasse fortemente e antes que as sementes resistentes ao glifosato tivessem se proliferado.
“Esse é um futuro bem diferente”, disse o Dr. Benbrook, economista agrícola e cientista chefe do Organic Center, que promove alimentos e cultivos orgânicos. “O custo será muito maior. Os impactos ambientais irão aumentar dramaticamente”.
Como os preços das sementes biotécnicas aumentara fortemente, alguns agricultores estão começando agora a questionar se elas ainda valem a pena. Na semana passada, a Monsanto, a empresa líder em biotecnologia agrícola, disse que baixaria os preços de suas mais novas sementes de soja e de milho geneticamente modificadas, porque os fazendeiros não estavam comprando tantas sementes quando a empresa esperava.
O Departamento de Justiça está agora investigando se a Monsanto, que tem patentes de algumas das tecnologias fundamentais, incluindo o sistema Roundup Ready, está violando leis antitruste, aumentando excessivamente os preços ou impedindo inovações.
O relatório do National Research Council se refere à essa questão brevemente, sem mencionar a Monsanto. Ele afirma que questões sobre termos de propriedade “não afetaram adversamente o bem-estar econômico dos fazendeiros que adotaram sementes transgênicas”. Mas também se afirma que há algumas evidências de que a disponibilidade de sementes não-transgênicas “pode estar sendo restringida para alguns agricultores”.
O relatório diz que o uso das sementes Roundup Ready levou a um enorme aumento da fumigação de glifosato, mas também a uma diminuição concomitante do uso de outros herbicidas. Esse é um benefício ambiental em rede, afirma o relatório, porque o glifosato é menos tóxico para os animais do que muitos outros herbicidas e não permanece por tanto tempo no meio ambiente.
O uso de sementes tolerantes a herbicidas também tornou mais fácil para os fazendeiros não lavrar seus campos como uma forma de controlar as pragas. O chamado plantio direto [no-till farming] ajuda a prevenir a erosão do solo e o escoamento de água das chuvas contendo sedimentos químicos.
A melhoria na qualidade da água pode ser o maior benefício das sementes transgênicas, diz o relatório, embora acrescente que esforços devem ser feitos de forma a medir quaisquer de seus efeitos.
Ainda assim, as sementes biotécnicas são apenas um fator de promoção do plantio direto. O relatório afirma que cerca da metade da soja ainda estava crescendo com pouco ou nenhum preparo do solo no tempo em que as sementes de soja Roundup Ready foram introduzidas em 1996. Esse número se elevou para 63% em 2008.
Os outros tipos principais de sementes transgênicas são o chamado milho BT e o algodão BT, que contêm genes de bactérias que permitem que as plantas produzam um inseticida.
O relatório afirma que o uso de inseticidas químicos diminuiu com a dispersão das sementes BT. Em áreas com presença maciça de insetos, afirma-se, o uso de sementes transgênicas aumentou os lucros dos fazendeiros por causa dos rendimentos mais altos e gastos menores com inseticida.
O relatório diz que, quando as sementes transgênicas foram introduzidas pela primeira vez, algumas delas tiveram rendimentos menores do que as variedades convencionais, uma informação geralmente citada pelos seus críticos. Mas o relatório indica que estudos mais novos mostram um aumento modesto nos rendimentos ou um efeito neutro sobre estes.
Para ler mais:
- Rotulagem de transgênicos: pelo direito à informação. Entrevista especial com Andrea Salazar
- Brasil. O maior consumidor de agrotóxicos agrícolas. Entrevista especial com Maria José Guazzelli
- Guerra à Monsanto
- Monsanto estuda importar glifosato dos EUA
- Glifosato: um herbicida questionado
- Glifosato: uma sentença inovadora
- Um freio aos agroquímicos
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