UFSC, 17/08/2020
Cientistas da Universidade Federal e Santa Catarina (UFSC) e do GenØk, Centro de Biossegurança da Noruega, identificaram que herbicidas à base de glifosato desencadeiam efeitos indesejados mesmo nas variedades geneticamente modificadas para resistir a essa classe de agrotóxicos. Intitulado Stacked genetically modified soybean harboring herbicide resistance and insecticide rCry1Ac shows strong defense and redox homeostasis disturbance after glyphosate-based herbicide application, o estudo foi publicado na revista científica Environmental Sciences Europe e aborda os efeitos adversos de herbicidas à base de glifosato, como o Roundup, no metabolismo de soja geneticamente modificada, também chamada de transgênica.
O trabalho teve o objetivo de investigar se a inserção de mais de um transgene (material genético transferido entre dois organismos) na mesma planta poderia ter impacto na sua homeostase energética e na resposta bioquímica ao estresse proporcionado pela exposição ao glifosato. Em ambiente controlado, foram analisadas duas variedades de soja transgênica frequentemente utilizadas em Santa Catarina: com apenas um transgene inserido (o gene EPSPS, resistente aos herbicidas à base de glifosato) e com dois transgenes inseridos (os genes recombinantes EPSPS e rCry1Ac, que codifica para uma toxina inseticida). As análises foram feitas nas folhas coletadas oito horas após a aplicação do agrotóxico.
A análise revelou que os herbicidas à base de glifosato causam efeitos adversos no metabolismo e no fluxo central do carbono, no metabolismo redox, na fotossíntese e na resposta hormonal e de defesa das plantas. Os resultados observados desvendam os efeitos deletérios previamente observados no crescimento e na produção de soja transgênica. Ainda, as plantas com dois transgenes inseridos mostraram uma resposta ao estresse mais pronunciada.
Os pesquisadores destacam que os avanços no conhecimento dos efeitos nos processos fisiológicos causados pela aplicação de herbicida em variedades geneticamente modificadas são fundamentais para estabelecer sua segurança, além de permitirem maior compreensão sobre os desvios do modo de ação do herbicida. “É como tomar um medicamento para o estômago, mas cuja ingestão afeta também os rins. Nós também precisamos entender quais são os efeitos nos rins”, ressalta a doutoranda do Programa de Pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais da UFSC Caroline Zanatta, uma das autoras do estudo, que fez parte de sua dissertação de mestrado.
De acordo com o pós-doutorando Rafael Benevenuto, co-autor do artigo, “os efeitos adversos da inserção transgene em uma variedade somado à aplicação de herbicida mostram que, além das possíveis implicações de segurança, podem existir interações entre as vias fisiológicas na planta com produção de substâncias potencialmente nocivas a elas e que teriam um impacto na produtividade agrícola”.
Segundo os pesquisadores, as técnicas utilizadas no estudo permitem a análise de risco em nível mais profundo do que vem sendo feito pelos órgãos regulamentadores brasileiros, bem como propiciam o acompanhamento de possíveis efeitos a longo prazo. No Brasil, a instituição que regulamenta a liberação de organismos geneticamente modificados, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), avalia cada transgene individualmente. Uma vez aprovado, qualquer nova variedade de organismo geneticamente modificado que utilize o transgene de forma isolada ou em combinação com outro também aprovado é submetida a uma tramitação rápida e superficial. Ainda, a CTNBio não avalia os riscos de uma planta transgênica juntamente com o uso do herbicida. Portanto, o estudo se constitui em uma análise da situação real que ocorre no campo com cultivo de variedades transgênicas e produção de grãos. “Como encontramos diferenças entre as variedades piramidadas [que combinam dois ou mais genes modificados] e com a exposição ao herbicida, estamos recomendando aos órgãos de regulação que incluam as mesmas técnicas que utilizamos neste estudo como critério na análise de risco”, afirma Sarah Agapito-Tenfen, pesquisadora do GenØk e co-autora do artigo.
Coordenado pelo professor do Departamento de Fitotecnia da UFSC Rubens Nodari, o grupo estuda biossegurança desde 1997 e considera que a avaliação dos riscos das plantas transgênicas a serem liberadas no ambiente deveriam considerar os efeitos combinatórios e cumulativos derivados da piramidação de transgenes, bem como da exposição aos agrotóxicos associados a elas. Dessa forma, defendem os cientistas, seria possível inferir com maior acurácia o uso seguro dessas plantas transgênicas no ambiente, bem como na alimentação humana e animal.
Leia o artigo científico na íntegra.
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