A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou ontem a liberação comercial do feijão transgênico desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Esse é o primeiro organismo geneticamente modificado totalmente produzido por uma instituição nacional e o primeiro feijão transgênico do mundo.

A reportagem é de Lígia Formenti e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 16-09-2011 (Via IHU-UNISINOS).

“É um marco para a ciência brasileira”, afirmou o coordenador do projeto, o pesquisador da Embrapa Francisco Aragão. “Uma prova, até para muitos pesquisadores que acreditavam o contrário, de que podemos desenvolver todas as etapas do projeto no País”, completou.

A nova variedade é resistente ao mosaico dourado, uma doença identificada no Brasil na década de 50 que ganhou força nos anos 90 e atualmente representa um dos maiores problemas da cultura na América Latina. A expectativa é de que o produto esteja disponível para os consumidores dentro de dois anos.

A reunião que aprovou o feijão transgênico teve 15 votos favoráveis, 2 abstenções e 5 pedidos de complementos de informação.

Ainda não está definido se a Embrapa cobrará royalties por essa nova variedade. Uma corrente dentro da empresa defende o pagamento por produtores de semente. Uma prática que mudaria a tradição de dispensar qualquer tipo de cobrança para melhorias ou frutos de pesquisas relacionadas ao feijão – uma cultura característica principalmente de pequenos e médios agricultores.

Doença

Transmitido por um vírus, o mosaico dourado é encontrado em plantações de várias partes do País, com exceção do Rio Grande do Sul e parte de Santa Catarina. A estimativa é de que as perdas anuais provocadas pela doença variem entre 80 mil e 280 mil toneladas – quantia suficiente para alimentar até 10 milhões de pessoas.

“O uso de uma semente resistente à doença pode evitar perdas, reduzir a importação do produto e garantir que o alimento continue na mesa do brasileiro”, disse Aragão. Ele observa que, todas as vezes em que há uma alta de preço do feijão, o consumo do produto cai.

“O problema é que, quando o preço baixa, nem todos voltam a incluir o produto no cardápio. Algo que preocupa bastante em termos de política alimentar”, afirma o pesquisador.

A variação transgênica aprovada pela CTNBio começou a ser estudada por Aragão em 2000. Os primeiros estudos para combater o problema, no entanto, tiveram início dez anos antes. Foram investidos no projeto R$ 3,5 milhões. Quase cem pessoas e dez instituições de pesquisa participaram do trabalho.

“Foi um grande feito intelectual, que trará um impacto importante para vários setores da sociedade”, afirmou o presidente da CTNBio, Edilson Paiva. Também integrante da Embrapa, Paiva sempre declarou publicamente ser favorável à aprovação da semente geneticamente modificada.

“Ela vai facilitar tremendamente a vida de produtores, que, para se livrar do risco de contaminação da plantação, usam enormes quantidades de inseticida”, disse o presidente da CTNBio. “A introdução dessa planta trará um impacto positivo econômico, social e alimentar.”

Paiva disse que a nova espécie traz uma composição química exatamente igual ao feijão não transgênico. “Eles fizeram algo equivalente à vacina, potencializando o sistema de defesa da planta.” Aragão garantiu não haver riscos de contaminação da espécie transgênica para a comum. “Uma separação de 10 metros é suficiente para evitar o risco.”

Liberação deve ser questionada na Justiça

A liberação comercial do feijão transgênico da Embrapa provocou inquietação entre cientistas e deve ser questionada na Justiça por organizações não governamentais. Cinco dos integrantes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança consideraram insuficientes as informações contidas no relatório e pediram diligências.

Entre as lacunas apontadas está a suposta falta de estudos sobre o impacto do consumo do feijão entre animais em gestação e pesquisa sobre o comportamento do organismo geneticamente modificado em todos os biomas no Brasil.

“Foi um desrespeito à Constituição Federal, às regras da própria CTNBio”, afirmou a advogada da Terra de Direitos, Ana Carolina Almeida. “Antes da aprovação, eles deveriam aguardar o envio de informações complementares e, se preciso, a realização de novos estudos.”

A advogada está convicta de que o fato de a semente ter sido desenvolvida pela Embrapa levou integrantes do conselho a fazer uma análise pouco cuidadosa do projeto. “Uma empresa pública deveria dar o exemplo, mas não foi o que ocorreu. É uma vergonha”, completou.

A Terra de Direitos deverá entrar na Justiça nos próximos dias questionando a legitimidade da aprovação. “A Constituição afirma que é dever preservar o patrimônio genético nacional. Liberar uma variedade transgênica sem estudos suficientes é uma afronta.” Ela questiona também o fato de, no desenvolvimento da nova variedade de feijão, terem sido feitos 22 experimentos, dos quais 20 deram errado. “Não soubemos o que ocorreu.”

O líder da pesquisa, Francisco Brandão, afirma que os questionamentos são indevidos. “Fizemos estudos entre 2005 e 2010. Verificamos não haver risco ao meio ambiente.”