Folha de São Paulo, 24/10/2013

por Anselmo Henrique Cordeiro Lopes

A senadora Katia Abreu, em sua coluna na Folha, criticou a atuação do Ministério Público Federal (MPF) e, em especial, deste membro, acusando-nos de promover o que chamou de “fundamentalismo ambiental” (“Pragas ideológicas“, 12/10).

Em realidade, a crítica foi uma reação contra solicitação que dirigimos à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a fim de que esta promovesse audiência pública, bem como mais estudos técnicos, antes que sejam liberadas para comercialização sementes transgênicas de soja e milho resistentes a agrotóxicos perigosos. O principal deles é o herbicida 2,4-D, usado inclusive como arma química na Guerra do Vietnã e considerado extremamente tóxico pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O pedido do MPF foi motivado por informações prestadas por vários pesquisadores, alguns membros da própria CTNBio. Segundo se suspeita, a liberação comercial poderia proporcionar um aumento relevante do consumo de 2,4-D no Brasil, país que já é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.

Na solicitação que enviamos ao órgão, não determinamos que fossem indeferidas as liberações (que beneficiariam grandes empresas estrangeiras, as quais lucram com a produção simultânea de agrotóxicos e sementes transgênicas resistentes aos mesmos agrotóxicos).

Simplesmente solicitamos que as sementes que ainda não foram autorizadas para circulação econômica sejam objeto de mais exames, com participação da sociedade civil.

Essa medida de cautela é motivada pela necessidade de se respeitar os direitos da população à saúde, à alimentação e ao ambiente equilibrado, os quais não podem ser sacrificados a fim de satisfazer o interesse de empresas internacionais.

Também nos preocupa a possibilidade de que as liberações das sementes em questão aumentem a dependência do setor rural brasileiro aos produtos fornecidos pelas multinacionais –tanto das próprias sementes quanto dos agrotóxicos aos quais elas são resistentes.

Essa dependência não é boa nem ambientalmente (como já vimos), nem economicamente, pois gera um aumento de custos na produção, prejudicando principalmente os pequenos produtores, que não têm recursos suficientes para adquirir tais tecnologias genéticas e químicas.

Voltando ao pedido de audiência pública que fizemos à CTNBio, ele foi submetido ao órgão no último dia 17, sendo acolhido pela maioria simples dos presentes. Contudo, como não foi alcançado o quórum regimental de maioria absoluta para aprovação, a CTNBio decidiu por não promover o debate público.

Em razão de tal deliberação, decidimos promover no próprio MPF a audiência pública, a fim de debater com a sociedade civil os efeitos diretos e indiretos que podem ser produzidos caso sejam liberadas as sementes transgênicas de soja e milho tolerantes ao herbicida 2,4-D.

Todos serão convidados para essa audiência popular, inclusive a senadora Katia Abreu, que poderá, democraticamente, continuar a defender os interesses econômicos das empresas estrangeiras, dentro de um espaço público em que a sociedade não se calará e em que será dada voz a todos.

ANSELMO HENRIQUE CORDEIRO LOPES, 32, doutorando em direito constitucional pela Universidade de Sevilha (Espanha), é procurador da República no Distrito Federal