Século Diário, 24/06/2014

Em carta à presidente Dilma, Conselho expressa preocupação com a falta de autonomia dos pequenos agricultores e uso de agrotóxicos

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) encaminhou à presidente Dilma Rousseff uma carta em que destaca os problemas causados nas lavouras de todo o mundo por conta dos transgênicos ou Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e dos agrotóxicos. A carta foi dividida em três eixos, que tratam do acesso às sementes; riscos à produção e consumo sustentáveis de alimentos e aos direitos dos agricultores; e processos decisórios e de regulamentação sobre biossegurança.

No documento, o Consea reconhece a importância de programas do governo federal como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), e reafirma a necessidade da garantia do livre exercício do direito à alimentação e a obrigação do poder estatal de assegurar o princípio de precaução e a participação social nas políticas públicas. O Consea também defende a manutenção do caráter consultivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e a criação de mecanismos de transparência e participação social nas decisões sobre biossegurança.

Especificamente sobre a questão das sementes, o Consea traz um resultado alarmante: somente a transnacional Monsanto, detém 46% das variedades de sementes transgênicas no Brasil, e a empresa divulgou, em 2012, a previsão de que 70% da soja colhida no Brasil fosse derivada de suas sementes. Os dados causam preocupação ao Consea, uma vez que o setor público tem sua presença cada vez mais achatada no mercado de sementes, se comparado às grandes empresas.

O Conselho expressa que há necessidade de maior atuação do setor público no acesso às sementes, para que este se contraponha às multinacionais, o que seria, segundo a carta, uma forma de aumentar a disponibilidade de sementes convencionais frente ao aumento de variedade de transgênicos ofertada.

Como aponta o Conselho, “o crescimento exponencial das liberações de transgênicos no Brasil foi resultado da promessa de maior eficiência agronômica e de menor uso de agrotóxicos, fato que não se comprovou”. Pelo contrário: “o uso de agrotóxicos é cada vez maior e o custo por saca produzida aumenta cada vez mais”.

O Consea propõe que sejam findada a obrigatoriedade de cadastramento de sementes crioulas no Registro Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o que tem sido um obstáculo à adoção dessas sementes em programas públicos, e reforça a importância da agricultura familiar e indígena como promotoras da segurança alimentar e nutricional do país e guardiãs das sementes tradicionais. O Consea também aponta medidas para evitar a contaminação por transgênicos ou agrotóxicos. Uma das propostas é estabelecer territórios totalmente livres desses métodos, como assentamentos de reforma agrária, terras indígenas e quilombolas.

“Em razão do conhecimento e das práticas de gestão de recursos da agrobiodiversidade, nos territórios indígenas e de povos e comunidades tradicionais existe um precioso acervo de sementes crioulas e outros materiais propagativos cuja relevância, que já era historicamente sabida por seus guardiões, passa a ser cada vez mais reconhecida por governos e pesquisadores. Por esta razão, os aspectos da autonomia e do conhecimento local não são menos importantes do que o conhecimento produzido nas agências governamentais e universidades”.

O Conselho também alerta para a necessidade de que a CTNBio revise suas já frouxas regras de convivência entre cultivos tradicionais e transgênicos. O CTNBio determina apenas 100 metros de distância entre culturas crioulas e transgênicas, sem nenhuma alternância temporal, enquanto o Mapa estabelece uma distância mínima de 400 metros. De acordo com a carta, a fragilidade desta norma põe em risco, por exemplo, toda a produção orgânica de milho, sujeita à contaminação transgênica por polinização.

Também são incentivadas as investigações científicas sobre alergias a OGMs e, sobreduto, que órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) viabilizem pesquisas sobre biossegurança e segurança alimentar. Além disso, o Consea recomenda a renovação da moratória internacional à tecnologia terminator, que produz sementes inférteis e torna os produtores sistematicamente dependentes dos fornecedores de sementes, tirando a autonomia do camponês sobre o próprio plantio. O Conselho aponta, ainda, a necessidade de assegurar o acompanhamento pós-liberação tanto de transgênicos quanto de criações de animais alimentados com os mesmos.