Última Instância, 29/09/2011

por Juliana Ferreira Kozan

 

Em 15/09/2011, foi aprovada em reunião da plenária da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) a liberação comercialdo feijão transgênico desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa. Foram 15 votos a favor, duas abstenções e cinco pedidos de diligência (necessidade de complementação).

Durante a reunião de quinta-feira, um dos membros desta Comissão apresentou parecer onde apontava diversas falhas no processo e violações ao princípio da precaução e à legislação de biossegurança.

Para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), tal aprovação é precipitada e está em desacordo com os testes necessários para demonstrar a segurança dos alimentos modificados geneticamente na alimentação do consumidor brasileiro.

Os transgênicos ou OGM (organismos geneticamente modificados), como diz a lei, são seres vivos criados em laboratório, por meio da técnica de transferência de gene de uma espécie para outra, ou seja, a partir de cruzamentos que jamais aconteceriam na natureza. Com essa nova tecnologia, pode-se introduzir um gene de rato, de bactéria, de vírus ou de peixe em espécies de arroz, soja, milho, trigo. Por exemplo, há soja com gene de bactérias e milho com gene de bactérias e vírus.

Trata-se agora da aprovação para produção e comercialização do evento Embrapa 5.1, feijoeiro geneticamente modificado resistente ao vírus do “Mosaico Dourado”, com a finalidade de reduzir significativamente o índice de perdas do produto nas lavouras. Porém, a necessidade e imprescindibilidade desta variedade de semente transgênica é questionável. Isso porque existem outras maneiras de evitar o vírus sem precisar recorrer à transgenia.

A própria Embrapa já havia desenvolvido experiências que comprovavam o controle do vírus do mosaico dourado a partir de práticas de manejo do feijão orgânico. Mas, sem maiores explicações, decidiu priorizar o investimento na tecnologia transgênica, mesmo assumindo as diversas falhas em seu desenvolvimento. Vale observar que os estudos apresentados pela Embrapa demonstram falhas na modificação genética das planas testadas: dos 22 eventos gerados, apenas 2 realmente resistiram ao vírus do mosaico dourado, sem que se tenha estudado porque os outros 20 falharam. Menos de 10% dos testes deram certo e a própria Embrapa afirma não saber o motivo.

O Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), órgão consultivo vinculado à Presidência da República, posicionou-se contrário à liberação do feijão geneticamente modificado por entender que, além de os estudos de análise de risco apresentados serem insuficientes, não haveria necessidade de investir na pesquisa e na liberação deste produto, que demandará uso de agrotóxicos, uma vez que a própria Embrapa já realizou experimentos bem sucedidos com o cultivo orgânico de feijão sem a infestação das doenças causadoras do vírus do mosaico dourado e sem comprometer a produtividade.

O Consea ainda levantou a questão de que a liberação comercial deste feijão transgênico levaria à gradativa eliminação das variedades de feijão e à perda da soberania dos agricultores e consumidores locais.

Além disso, a Embrapa não realizou testes em todas as regiões do país, o que impede de saber a interação desta nova planta nos diferentes biomas.

A preocupação é especialmente com a região Nordeste, tradicional produtora de feijão crioulo na agricultura familiar, e que foi excluída dos testes da Embrapa. Já há inclusive decisão judicial reconhecendo a obrigatoriedade da realização de estudos caso a caso em todos os biomas brasileiros para a liberação comercial de transgênicos.

Outro grave problema apontado foi com relação à necessária isenção da CTNBio em sua análise. Por exemplo, foi questionada a escolha da comissão em realizar a audiência pública relativa a este processo na própria sede da Embrapa, ou seja, na sede da empresa proponente, e a circulação de abaixo assinado online requerendo adesões para que o cultivo comercial do feijão geneticamente modificado fosse aprovado nacionalmente, cujo autor é um dos membros da CTNBio e, inclusive, relator do referido processo.

Os agricultores têm direito à livre escolha de seu sistema produtivo, seja convencional, agroecológico ou transgênico, de forma que as culturas coexistam, enquanto os consumidores têm  direito à informação sobre que tipo de alimento querem consumir. E estes direitos devem ser respeitados.

Porém, como não foram realizados estudos suficientes sobre a ação dos polinizadores (abelha, pássaros, vento etc), há a possibilidade de contaminação genética pelo feijão transgênico, o que ameaça tais direitos dos agricultores e consumidores.

Além disso, informações indispensáveis sobre o feijão transgênico estão sob sigilo, ou seja, a sociedade, e até alguns membros da CTNBio, não sabem o que de fato foi inserido na construção genética do feijão e quais seus impactos no meio ambiente e na saúde humana.

Diante das deficiências constantes dos estudos apresentados pela Embrapa e dos vícios e nulidades do processo de liberação comercial, o Idec, juntamente com entidades como a Terra de Direitos e a AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa enviaram duas representações ao Ministério Público Federal – MPF solicitando que o pedido de liberação de comercialização do feijão transgênico não fosse votado até que as irregularidades fossem sanadas. Porém, a aprovação ocorreu mesmo assim.

Para o Idec, a aprovação da variedade 5.1 do feijão Embrapa demonstra que a forma como os processos comerciais de liberação dos alimentos transgênicos são conduzidos pela CTNBio é um problema.  As irregularidades nos processos são recorrentes e mostra-se muito preocupante o descaso com o princípio da precaução, justamente em relação a um dos principais produtos que compõem a alimentação do brasileiro.

Mais uma vez, observa-se que apesar de ser papel desta Comissão promover o debate e garantir estudos técnicos sobre os transgênicos, a votação do feijão geneticamente modificado foi apressada e sem a realização de adequada avaliação de riscos ao meio ambiente e à saúde humana.