IHU-Unisinos, 05/11/2013
“Preocupa-nos a ausência de dados sobre as interações químicas e biológicas das sementes e herbicidas, bem como sobre os impactos de médio e longo prazo que o consequente aumento do consumo nacional desses herbicidas pode proporcionar”, diz o procurador.
A polêmica em torno da possível comercialização das sementes de soja e milho transgênicas resistentes aos agrotóxicos 2,4-D, glifosato, glufosinato de amônio DAS-68416-4, glufosinato de amônio DAS-44406-6, entre outros, é tema de investigação do Ministério Público Federal.
De acordo com o procurador da República, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, o órgão pretende “verificar o correto cumprimento das normas legais e constitucionais que tratam dos direitos humanos fundamentais à alimentação adequada, à proteção da saúde e ao meio ambiente equilibrado. O que busca o Ministério Público Federal – MPF, por meio da investigação, é verificar se esses direitos estão ou serão violados por meio de atos de liberação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio”.
O Ministério Público Federal vem acompanhando a atuação da CTNBio desde 2005, quando foi promulgada a Lei nº 11.105/2005, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de Organismos Geneticamente Modificados – OGM e seus derivados. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Lopes enfatiza que o MPF “está verificando se os estudos que subsidiarão a decisão administrativa da CTNBio (de liberação ou proibição do OGM) são suficientes para avaliar todos os riscos relacionados, direta ou indiretamente, com a potencial liberação comercial das sementes transgênicas”.
Segundo ele, “a CTNBio ainda não respondeu formalmente aos questionamentos do MPF, mas já decidiu que não realizará, por sua conta, audiência pública para tratar do tema com a sociedade civil”.
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, especialista em Direito Constitucional pela UNISUL, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Sevilha. Atualmente também leciona na Faculdade da Amazônia Ocidental. É ex-procurador-chefe da República no Acre, ex-procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre e ex-procurador da Fazenda Nacional.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que consiste a investigação do Ministério Público Federal acerca das autorizações de comercialização de organismos geneticamente modificados concedidas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – A investigação do Ministério Público Federal tem como objetivo verificar o correto cumprimento das normas legais e constitucionais que tratam dos direitos humanos fundamentais à alimentação adequada, à proteção da saúde e ao meio ambiente equilibrado. O que busca o MPF, por meio da investigação, é verificar se esses direitos estão ou serão violados por meio de atos de liberação da CTNBio.
IHU On-Line – O MPF já investigou outros casos referentes à atuação da CTNBio? A possível ilegalidade diz respeito apenas à liberação comercial das sementes de soja e milho geneticamente modificadas que apresentam tolerância aos agrotóxicos 2,4-D, glifosato, glufosinato de amônio DAS-68416-4, entre outros?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – O MPF vem acompanhando os trabalhos da CTNBio e as liberações de OGMs desde a edição da Lei nº 11.105/2005. Vários trabalhos foram realizados pelo MPF nesse campo; em especial, por meio de seu Grupo de Trabalho de Agrotóxicos e Transgênicos. Um desses trabalhos diz respeito à rotulagem especial que os produtos derivados de alimentos transgênicos devem apresentar ao consumidor.
IHU On-Line – Como ocorre, atualmente, o processo de autorização da comercialização dos transgênicos pela CTNBio?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – O processo de liberação obedece às normas da Lei nº 11.105/2005 e do regimento interno da CTNBio, além de demais atos normativos do órgão. É necessária a apresentação de solicitação pela empresa interessada, acompanhada de documentos e estudos sobre os impactos que a liberação pode proporcionar ao meio ambiente e à saúde pública e animal. Nesses estudos, que deverão ser examinados e criticados por técnicos especialistas da CTNBio, devem ser apresentados os benefícios e riscos gerados pelo OGM que se requer explorar.
IHU On-Line – Quais são as razões que põem em dúvida a atuação da CTNBio diante deste caso?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – No caso concreto, o MPF está verificando se os estudos que subsidiarão a decisão administrativa da CTNBio (de liberação ou proibição do OGM) são suficientes para avaliar todos os riscos relacionados, direta ou indiretamente, com a potencial liberação comercial das sementes transgênicas. Em especial, preocupa-nos a ausência de dados sobre as interações químicas e biológicas das sementes e herbicidas, bem como sobre os impactos de médio e longo prazo que o consequente aumento do consumo nacional desses herbicidas pode proporcionar.
IHU On-Line – Como a CTNBio se manifestou diante da investigação do MPF?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – A CTNBio ainda não respondeu formalmente aos questionamentos do MPF, mas já decidiu que não realizará, por sua conta, audiência pública para tratar do tema com a sociedade civil.
IHU On-Line – Qual a previsão para a conclusão do caso?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – O inquérito civil tem o prazo inicial de um ano, mas poderá ser prorrogado, caso seja necessário.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a legislação brasileira em relação à liberação de transgênicos e agrotóxicos no país, considerando que vários membros da própria CTNBio são contrários a liberação de outros produtos transgênicos por conta da falta de testes, como ocorreu recentemente com o feijão transgênico?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – Como em diversas outras questões jurídicas que se apresentam no Brasil, o problema talvez não seja a legislação em si, mas sim como vem sendo aplicada essa legislação. Se nossas leis fossem aplicadas adequadamente, com respeito aos princípios da prevenção e precaução, bem como levando em consideração os direitos da população brasileira, talvez diversos problemas e danos não se apresentassem.
IHU On-Line – Como a transgenia tem sido tratada no meio jurídico brasileiro?
Anselmo Henrique Cordeiro Lopes – Ainda existem poucos “leading cases” a respeito das liberações de OGMs. Creio que o desenvolvimento do tema na esfera jurídica demanda não somente o advento de mais casos na Justiça, mas, sim, e principalmente, o amadurecimento da sociedade civil e dos órgãos públicos sobre como esse tema deve ser tratado no Brasil.