RFI, 08/05/2014
Por Lúcia Müzell
A aprovação comercial do projeto de uso de mosquitos transgênicos para combater a dengue no Brasil ainda não foi concluída, mas provocou uma polêmica internacional. Pela primeira vez no mundo, insetos geneticamente modificados serão soltos na natureza para exterminar o transmissor da doença, uma técnica que suscita preocupação de ambientalistas.
Em laboratório, os mosquitos Aedes aegypti machos são alterados para que seus descendentes não sobrevivam. Ao procriarem com uma fêmea normal, as larvas não chegam à idade adulta.
No início de abril, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou a liberação comercial do mosquito transgênico, desenvolvido pela empresa britânica Oxytec. Este foi um passo importante para a aprovação final, dada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que pediu testes adicionais para verificar o impacto do experimento na natureza e na população.
Margareth Capurro, professora da USP responsável pela coordenação técnica do projeto, observa que o Aedes aegypti não é uma espécie brasileira e argumenta que nenhum outro animal depende do mosquito transmissor da dengue para sobreviver. No passado, o mosquito já tinha sido eliminado por 20 anos no país, ressalta.
“A gente não pode dizer que ele ocupa um nicho ecológico essencial. Ele é um mosquito extremamente urbano, que não existe em floresta, mata ou bosque”, assegura. “Lagartixas, sapos ou pássaros comem mosquitos, mas nenhuma outra espécie está associada ao Aedes aegypti ao ponto de ser eliminada se esse mosquito for erradicado.”
Testes
Os testes realizados por três anos em bairros de Juazeiro e Jacobina, na Bahia, mostraram que a introdução dos insetos transgênicos não acarretou modificações da população do mosquito presente na natureza. A nova fase do projeto vai definir a eficácia da técnica em grande escala para a redução da dengue. Na fase de testes, a diminuição do mosquito transmissor da doença foi de em torno de 80%.
Para Gabriel Fernandes, assessor técnico da associação de agricultura familiar e agroecologia AS-PTA, a redução do número de mosquitos foi constatada, mas não a queda nos casos da doença. “Os dados apresentados não são conclusivos. Eles tratam apenas da redução do número de mosquitos, e em nenhum momento eles falam sobre a redução da doença”, ressalta.
“Não somos contra o projeto. O que nós criticamos é que toda a propaganda que a empresa faz no local e na imprensa é que a tecnologia vai combater a dengue”, diz. Fernandes considera que não houve testes suficientes nas pessoas e nos animais que forem picados pelos mosquitos transgênicos descendentes de um inseto geneticamente modificado.
Futuro dos outros mosquistos
Outra pergunta que precisará ser respondida é se outro mosquito vai ocupar o lugar do Aedes aegypti. “Algumas pessoas acham que a espécie-irmã, o Aedes albopictus, vai virar o novo vilão. Vamos tentar saber o que vai acontecer com a população do Aedes albopictus mediante o desaparecimento do Aedes aegypti”, explica a cientista da USP. A espécie-irmã, conhecida como tigre asiático, é um “mau transmissor” da dengue, conforme a pesquisadora.
A associação AS-PTA afirma que a cidade de Jacobina, que recebe testes com os mosquitos transgênicos desde 2011, emitiu em fevereiro um decreto de situação de emergência pela ocorrência de dengue. Na opinião de Gabriel Fernandes, o experimento com o Aedes aegypti é “um abre-alas” para liberar outros insetos geneticamente modificados.
“Até agora, a gente só tinha plantas transgênicas: soja milho, algodão. No meu entendimento, o interesse comercial principal virá depois, com as próximas liberações comerciais que eles vão pedir, de outros insetos modificados, para uso na agricultura”, afirma.
A Anvisa ainda não divulgou quando deve avaliar o projeto dos mosquitos transgênicos.