“O custo inicial para a utilização dos insetos em uma cidade de 50 mil habitantes é estimado entre 2 milhões e 5 milhões de reais.” O potencial efeito da tecnologia só existe enquanto os mosquitos estão sendo liberados
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Carta Capital, 31/07/2014
O Brasil será o primeiro [único] país a usar mosquitos geneticamente modificados para o controle da transmissão da dengue. Depois de realizar testes desde 2011 e obter a aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a britânica Oxitec inaugurou uma fábrica em Campinas, interior de São Paulo, em 29 de julho, com a presença do cônsul-geral britânico em São Paulo, John Doddrel.
A unidade foi autorizada a realizar projetos de pesquisa e produzirá 8 milhões de mosquitos modificados por mês, suficientes para a cobertura de uma população de 10 mil indivíduos. A comercialização dos insetos depende apenas da liberação de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Criada em 2002 como spin-out (empresa iniciada por outra organização) da Universidade de Oxford, hoje dona de 10% do capital, a Oxitec planeja instalar duas fábricas de ovos de mosquito no Brasil, além de 10 a 20 unidades produtoras de pupas (estágio entre a larva e o inseto adulto). A companhia captou em junho 10,2 milhões de dólares para investimento em tecnologia. Os outros acionistas são a empresa de capital de risco East Hill Management e investidores privados da América do Sul, Europa e Ásia.
A CTNBio, órgão responsável por verificar a segurança de novas biotecnologias no Brasil, aprovou em abril o uso do mosquito transgênico. Segundo a comissão, o inseto geneticamente modificado não ameaça o ambiente ou as populações humanas. O custo inicial para a utilização dos insetos em uma cidade de 50 mil habitantes é estimado entre 2 milhões e 5 milhões de reais.
O Aedes aegypti é o primeiro inseto geneticamente modificado com uso comercial aprovado no Brasil. A técnica utilizada envolve a colocação de um gene no mosquito macho que o incapacita de produzir descendentes em condições de chegar à fase adulta. A Oxitec criou também uma espécie transgênica da mosca do Mediterrâneo, para controle de uma praga agrícola.
Testes realizados no ano passado em Jacobina, uma das 11 cidades baianas com maior índice de dengue, reduziram a população selvagem do mosquito causador em 79% seis meses após a liberação das espécies transgênicas. O trabalho foi liderado pela organização social Moscamed, com atividades voltadas para a produção e o monitoramento de insetos. Em 2011, um projeto realizado com recursos da Secretaria de Saúde da Bahia no município de Juazeiro com os mosquitos da Oxitec resultou em uma redução superior a 80%. A empresa também já realizou experimentos nas Ilhas Cayman, com diminuição de 82%.
O teste em Jacobina está em fase de monitoramento e os mosquitos agora são liberados a partir de taxas menores, suficientes para evitar novos surtos. Desde abril a empresa possui experimentos no Panamá, sob a coordenação do Instituto Gorgas, líder no desenvolvimento de controle de mosquitos transmissores de doenças. Serão soltos 60 mil Aedes transgênicos por semana até o fim do ano ou o atingimento do controle da espécie. Segundo o instituto, os casos de dengue no Panamá triplicaram entre 2012 e 2013. Outros testes devem ser iniciados na Índia e na Flórida ainda neste ano.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a dengue afeta de 50 milhões a 100 milhões de seres humanos por ano. No Brasil, a transmissão da doença foi recorde em 2013, com 2 milhões de notificações. O número de casos confirmados na cidade de São Paulo chegou a 14,5 mil somente neste ano. As mortes e hospitalizações cresceram no País não só por causa da alta incidência da doença, mas também por conta do aumento da sua gravidade, com a presença de quatro sorotipos do vírus no território nacional, conforme estudo publicado na revista científica PLOS Neglected Tropical Diseases. Não existem medicamentos nem vacina e as medidas utilizadas são de controle dos ambientes de reprodução do mosquito.
A Oxitec acena com a possibilidade de reversão do grave quadro de evolução da dengue, mas a sua tecnologia é vista com desconfiança por alguns críticos. Para a ONG GEneWatch, do Reino Unido, os resultados nas Ilhas Cayman indicam ineficiência por requerer 7 milhões de mosquitos modificados para a supressão de 20 mil insetos selvagens. A instituição aponta o risco ecológico de a população do Aedes aegypti ser substituída pelo Aedes albopictus, outro vetor de doenças.