Será?

Diário da Região, 03/08/2014

São José do Rio Preto – SP – Em uma porta de vidro o símbolo internacional de risco biológico e um adesivo como os seguintes dizeres: “proibida a entrada de pessoas não autorizadas”. Ela só abre se o sensor for acionado por um cartão, que somente pessoas autorizadas possuem. A estrutura é parecida com aqueles laboratórios de filme de ficção científica, mas o local é totalmente real. Trata-se da fábrica de mosquitos transgênicos, considerados a nova arma no combate à dengue.

A unidade produz exemplares do Aedes aegypti que tiveram seu DNA alterado para não deixar descendentes, com o objetivo de reduzir a população do mosquito na natureza e diminuir a incidência da doença. A estratégia consiste em soltar os machos transgênicos no meio ambiente para que eles copulem com as fêmeas selvagens, sem que haja descendentes. Só machos são soltos porque eles não picam e não transmitem a doença.

Essa tecnologia é de responsabilidade da empresa britânica Oxitec, que inaugurou, na última terça-feira, sua primeira fábrica brasileira, em Campinas. A empresa tem a capacidade de produzir 2 milhões de mosquitos transgênicos machos por semana. Na fase inicial, a produção chega a 500 mil. O Diário esteve no local e traz todos os detalhes dessa fábrica de mosquitos. A tecnologia foi criada pela empresa em 2002, ainda em Oxford. Por um intermédio do Consulado Britânico, a Oxitec realizou os primeiros testes no Brasil. Em cidades da Bahia, foi constatada uma redução de 90% da população de Aedes aegypti selvagens nos locais em que os mosquitos transgênicos foram utilizados.

Em abril deste ano, o método foi liberado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), mas a comercialização dos insetos transgênicos ainda precisa ser autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Essa é a primeira vez que se fala em comercializar um mosquito. A dificuldade é de saber se vamos registrar nas diretrizes já existentes ou se a Anvisa vai criar uma nova regulamentação”, explica o advogado Gabriel Merheb Petrus, da Barral Mjorge Consultores Associados.

Enquanto a liberação para a venda não sai, a Oxitec busca parceiros governamentais para o uso dos mosquitos em novas pesquisas. “Apresentamos a tecnologia para representantes de alguns municípios. É bem possível que fechemos alguns contratos, em caráter de pesquisa, com algumas cidades do Estado de São Paulo”, afirma o diretor global de desenvolvimento e negócios da empresa no Brasil, Glen Slade.

O coordenador do plano municipal de combate à dengue da Secretaria da Saúde de Piracicaba, Sebastião Amaral, que esteve presente durante inauguração da fábrica, diz que um projeto foi montado por técnicos da prefeitura, mas aguarda aprovação. “A técnica seria aplicada em caráter de pesquisa em um bairro com 5 mil habitantes. É uma tecnologia inovadora e pode somar com o trabalho já desenvolvido pela pasta.” Por meio de nota, a Secretaria de Saúde de Campinas informou que estuda a eficácia do uso desta técnica. “O mosquito geneticamente modificado deve ser uma ação complementar, que não substitui as ações de combate que já vêm sendo realizadas no município.”

Chefe da Vigilância em Rio Preto reage com ceticismo

O mosquito transgênico para combater a dengue está longe de voar pelos municípios da região. Para o coordenador do Departamento de Vigilância Ambiental de Rio Preto, Abner Henrique Alves, a tecnologia tem que ser melhor desenvolvida. “Até podem não nascer filhotes, mas as fêmeas selvagens, que picam e transmitem a doença, vão continuar no meio ambiente”, diz ele, desconsiderando que, sem novas reproduções, as fêmeas vão desaparecer.

“As prefeituras podem até comprar os mosquitos transgênicos, mas eles serão mortos juntos com os selvagens durante a ação de nebulização”, acrescenta Alves, que aponta também inviabildiade econômica. “O valor do investimento é muito alto. É um trabalho que tem que durar mais anos. A vacina para imunizar contra a doença e o trabalho de prevenção, acabando com os criadouros, são os melhores métodos para combater a dengue.”

Rio Preto registrou 536 casos de dengue nos últimos sete meses. Segundo o coordenador do Departamento de Vigilância Ambiental, o município se encontra em situação de epidemia. No ano passado, quando o município registrou a segunda pior epidemia da história, foram confirmados 18.591 casos. Além de nove mortes pela doença e 43.652 notificações. Em 2010, quando foi registrada a primeira pior epidemia, 12 pessoas morreram e 24.198 foram contaminadas pela doença.

A Secretaria de Saúde de Catanduva afirma que combate a dengue por meio das ações preconizadas pelo Ministério da Saúde. Em relação ao mosquito transgênico macho, a pasta disse que só adotará o método quando as diretrizes nacionais de controle aprovarem a utilização do mosquito e elas forem encaminhadas ao município. Neste ano, 110 casos de dengue foram confirmados.

Votuporanga

Já a secretária de Saúde de Votuporanga, Fabiana Parma, acredita que “as avaliações sobre a pesquisa com mosquitos transgênicos mostram resultados animadores. Será um grande passo para o enfrentamento da doença em nosso país, pois a prevenção ainda é um desafio.” A epidemia de dengue neste ano em Votuporanga foi decretada no final de fevereiro e, desde então, os casos se espalharam pelos bairros. De janeiro para cá, foram registrados 2,5 mil casos da doença e duas mortes – uma dona de casa de 46 anos e uma criança de apenas um ano.

Vacina é outra aposta no combate à doença

A revista científica britânica The Lancet publicou, no último dia 11, o resultado de testes com uma vacina que mostrou a redução de 88,5% no número de casos de dengue hemorrágica e em 56,5% a contaminação comum da doença entre crianças em cinco países asiáticos. Foi a primeira vez que uma vacina contra a dengue chegou à fase três de estudo clínico, que envolve testes em grande número de voluntários.

A vacina, chamada CYD-TDV e desenvolvida pela empresa farmacêutica francesa Sanofi Pasteur, foi submetida a 10.275 crianças de 2 a 14 anos em 12 áreas endêmicas da Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailândia e Vietnã. Foram aplicadas, no total, três doses da vacina com intervalo de seis meses para cada uma.

A vacina também está sendo testada em países da América Latina e Caribe, incluindo o Brasil, em cerca de 20 mil voluntários. Do total, 3550 são brasileiros, e os resultados devem ser divulgados no segundo semestre. Os voluntários são de Campo Grande, Fortaleza, Goiânia, Natal e Vitória. Dependendo dos dados obtidos, a Sanofi poderá submeter o registro da vacina à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que possa ser comercializada no Brasil.

Entidade contesta métodos de laboratório

O uso dos mosquitos transgênicos no combate à dengue está sendo questionado por organizações da sociedade civil. Para o assessor técnico da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, Gabriel Fernandes, os testes não são conclusivos. “Primeiro, porque a cidade de Jacobina, na Bahia, onde foram realizados os testes, estão com quadro epidêmico de dengue, ou seja, a população selvagem não foi reduzida de fato e as pessoas continuaram sendo picadas. Fora que o antídoto que permite que os mosquitos transgênicos se reproduzam, a tetraciclina, é utilizada na produção de frangos, o que torna a tecnologia vulnerável.”

Fernandes destaca ainda que o extermínio da população selvagem do Aedes aegypti pode resultar em um desequilíbrio ecológico. “Essa tecnologia pode trazer riscos para o meio ambiente. Com certeza, sem o mosquito que transmite a dengue, outros mosquitos se reproduzirão mais e poderão até passar um novo tipo de doença. O método parece mais um grande mercado para empresa, do que para a saúde pública.”

De acordo com a Oxitec, Jacobina teve só 5% do território tratado com o mosquito. A empresa diz que apresentou à CTNBio dossiê de 900 páginas com as conclusões das pesquisas. Sobre o antídoto para os mosquitos transgênicos, a empresa afirma que não há quantidade suficiente de tetraciclina na natureza. A Oxitec descarta o desequilíbrio ecológico, já que o “Aedes aegypti (…) não é fundamental para a alimentação de nenhuma espécie animal presente no Brasil”. Ela afirma que o transgênico não cruza com outras espécies e é digerido normalmente, quando os animais comem o mosquito transgênico.