Brasil de Fato, 02/03/2014

por Leonardo Melgarejo

O veneno ainda está na mesa acima cabeçalho

A aprovação do DAS-40278-9 abre portas para que veneno “fraco” venha a ser substituído pelo 2,4-D, componente do famigerado Agente Laranja, suspeito de causar alterações endócrinas e classificado como “extremamente tóxico”

Em 5 de fevereiro, pedido de vistas do Dr. Rubens Nodari impediu aprovação, pela CTNBio, de variedade de milho carregando a tecnologia ENLIST. Trata-se do processo 01200.000124/2012/43 (DOW AgroSciences Sementes & Biotecnologia Brasil Ltda.) que oferece “alternativas” para o controle de “plantas invasoras”. Na ocasião, quase invisível em seis linhas de uma pauta que ocupa 42 páginas, a proposta chegava à plenária da CTNBio endossada por “relatórios consolidados” que, segundo as normativas em vigor, deveriam sintetizar relatórios parciais elaborados por especialistas das quatro seções que compõem a CTNBio (Subcomissões Ambiental, Vegetal, de Saúde Humana e de Saúde Animal). E aí reside uma primeira irregularidade: não existe, na CTNBio, registro dos relatórios de especialistas nas áreas de Saúde Humana e Animal referentes a este processo.

Há um documento elaborado por especialista na área de Saúde Humana, que supostamente “consolidaria” aqueles relatórios inexistentes. Há outro documento, elaborado por especialista na área Vegetal, que ao “consolidar” documentos apresentados por especialistas nas sub-comissões Vegetal e Ambiental, não só despreza argumentos ali contidos (quando estes referem, por exemplo, desrespeito às normativas da CTNBio) como agrega informações que não constam daqueles documentos parciais (elaborados por Maria Helena Zanetini, da área Vegetal e Leonardo Melgarejo , da área ambiental ( http://www.movimentocienciacidada.org/documento/detail/27)) . Isto é grave, pois o milho em questão (codinome DAS-40278-9), ao carregar genes que garantem sua sobrevivência após banhos com os herbicidas 2,4-D e haloxifope assegura não apenas o crescimento exponencial no uso destes venenos como todas implicações dali resultantes. Trata-se da multiplicação no uso de agrotóxicos classificados como “extremamente” e “altamente” tóxicos, em substituição ao glifosato, que apesar dos problemas que causa, é classificado como veneno de “baixa toxicidade”.

Em outras palavras, a aprovação do DAS-40278-9 abre portas para que veneno “fraco”, mas estigmatizado pelos danos que causa à saúde, venha a ser substituído pelo 2,4-D, componente do famigerado Agente Laranja, produto teratogênico, carcinogênico, suspeito de causar alterações endócrinas, classificado como “extremamente tóxico” cujo uso vem sendo limitado nas regiões civilizadas do planeta e ainda está sob reavaliação da ANVISA, podendo vir a ser proibido no Brasil (sobre os perigos associados ao 2,4-D ver notas técnicas elaboradas pelos Drs Vanderlei Pignati ( http://www.movimentocienciacidada.org/documento/detail/25 ) e Karen Friedrich ( http://www.movimentocienciacidada.org/documento/detail/26). Aliás, é curioso observar o avanço das armadilhas de fatos consumados. Uma vez que a CTNBio aprove uma semente que só será usada em associação com determinado veneno, o veneno em si poderia ser proibido pela ANVISA? Neste caso, quem deveria indenizar os produtores de semente, os implantadores de lavouras, os comerciantes, transportadores, armazenadores?

Há quase um ano, Audiência Pública promovida pelo Ministério Público Federal (http://4ccr.pgr.mpf.mp.br/atuacao/encontros-e-eventos/audiencia-publica/audiencia-publica-transgenicos-2-4-d ) apontava os riscos envolvidos nesta situação e solicitava à CTNBio que se abstivesse de avaliar plantas tolerantes ao 2,4-D até que a ANVISA decidisse pela proibição ou manutenção de seu uso deste veneno, no território nacional . A CTNBio ignorou aquela recomendação e, apoiada em sua lógica peculiar, onde plantas modificadas para sobreviver a banhos de venenos, que absorvem aquelas moléculas e as carregam em direção ao consumo, nada têm a ver com os venenos em si, levou o assunto ao ponto em que chegamos. O plantio, a formulação de rações e alimentos, o consumo humano e animal de plantas que existem como veículo para o uso de venenos extremamente perigosos só não foi autorizado em fevereiro porque o Dr Rubens Nodari pediu vistas ao processo. Em 5 de março, na próxima plenária da CTNBio, não devemos esperar que os argumentos consistentes, robustos, relevantes, a serem expostos no parecer de Nodari possam influenciar o posicionamento da maioria dos membros daquela Comissão. As decisões já estão tomadas. Em poucos anos estaremos diante de plantas que também sobreviverão a banhos destes herbicidas, e o agronegócio apresentará novas e quem sabe ainda mais perigosas “soluções definitivas” para o enfrentamento de problemas criados pela monocultura e suas práticas. Não existirão responsáveis pelos prejuízos e esta discussão estará esquecida, apagada como o fato de que a maioria dos membros da CTNBio, que agora avaliará de forma “imparcial” os argumentos de Nodari, não apenas votou contra a realização de uma Audiência Pública que informasse a sociedade sobre o tema (http://aspta.org.br/campanha/654-2/ ) como evitou de comparecer naquela outra AP -acima referida- promovida pelo MPF. Quais as implicações?

Milhões de litros de veneno, bilhões de reais em royalties, lucros concentrados e prejuízos socializados. Impossibilidade de dimensionar os danos para a saúde humana, animal e ambiental e os problemas de longo prazo, envolvendo gerações que ainda estão por vir e que dependem de circunstâncias estranhas como esta, onde as pessoas que decidem não precisam se preocupar com as consequências de suas decisões. Esperamos que a sociedade coloque atenção no que se passará na plenária da CTNBio, durante a manhã deste dia 5 de março, se mobilize para acompanhar aquela reunião e assegurar aos participantes que eles possuem sim responsabilidades sociais e que não serão esquecidos. A omissão, neste caso, também não deve ser esquecida.