JORNAL DO COMÉRCIO, 15/02/2012 | Mayara Bacelar
Na semana passada, estudo do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas (ISAAA, na sigla em inglês) apontou que o Brasil vem sendo o vetor mundial no crescimento de áreas cultivadas com sementes transgênicas. Segundo a entidade, o País cresceu 20% em área, com 4,6 milhões de hectares destinados ao plantio de variedades geneticamente modificadas em 2011 [veja comentário a respeito da metodologia de cálculo]. No Rio Grande do Sul, a falta de levantamentos oficiais impossibilita mensurar o volume exato em áreas ou toneladas que sinalizem o avanço do cultivo transgênico em solo gaúcho [o mesmo vale para o país todo]. O que especialistas afirmam, porém, é que o crescimento existe e é rápido, levando facilidade aos agricultores e dúvidas sobre o impacto do plantio na saúde do consumidor e nos ecossistemas envolvidos.
O presidente da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas no Rio Grande do Sul (Apassul), Narciso Barison Neto, afirma que o aumento do uso de sementes transgênicas é uma contingência do mercado. A explicação para o fato é que a tecnologia empregada nas sementes trouxe vantagens no que diz respeito a aspectos econômicos e práticos no campo. “Quando uma tecnologia é interessante, ela avança rapidamente”, alega. “No Brasil, a taxa de utilização de transgênicos já ultrapassa 60% na cultura do milho”, acrescenta o dirigente. Ele destaca que o crescimento mais vertiginoso ocorreu nos últimos três anos.
No Estado, Barison Neto calcula que quase a totalidade da soja tenha origem geneticamente modificada, enquanto na cultura do milho, esse patamar gira em torno dos 40%. “No caso do milho, só não é mais porque temos uma boa parte de área cultivada integrando programa do governo Troca-Troca, e como a semente transgênica de milho tem um custo mais alto, nessas regiões o avanço foi menos significativo”, ressalta o presidente da Apassul.
O dirigente aponta que os produtores e comerciantes de sementes não têm preferência por transgênicas em si, mas que atuam de acordo com a aceitação e receptividade dos produtores, que têm preferido variedades modificadas principalmente no caso da soja. Ainda assim, defende que os ganhos para os produtores são diversos e compensadores. De acordo com ele, os grãos gerados através de sementes transgênicas observam menos ataques de fungos e maior resistência aos herbicidas usados para eliminar as ervas daninhas. “Temos dados que apontam para menos utilização de água, diesel, e redução na emissão de CO2 em função disso”, elenca.
O diretor-técnico da Emater-RS, Gervásio Paulus, pondera que as mesmas sementes responsáveis por aumentar a resistência aos herbicidas em cultivos como a soja podem gerar também uma resistência nas plantas que nascem adjacentes a essas lavouras. Segundo o técnico, outros vegetais podem igualmente não responder às doses usuais desses agroquímicos, fazendo com que uma quantidade cada vez maior seja necessária para obter o mesmo resultado. Além disso, Paulus relata preocupação especial com a transgenia no cultivo do milho. Isso porque, através da polinização, exemplares sem modificação genética acabam por receber o pólen de outros cultivares transgênicos. “Isso coloca em risco aquelas culturas que, por alguma razão, o agricultor prefere não plantar transgênicos”, frisa. “E em algumas regiões ainda se preservam as sementes crioulas de milho, e o transgênico acaba comprometendo a preservação dessa variedade”, completa Paulus.
Consequências ao ambiente ainda são incertas, diz pesquisador da CTNBio
O pesquisador Leonardo Mergarejo, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), afirma que ainda não se pode afirmar com veemência as consequências do plantio de transgênicos. Segundo ele, não existem dados que comparem a área cultivada, mas confirma que o Brasil é o segundo produtor mundial dessas sementes. Mergarejo assinala que as propriedades nutricionais não se alteram quando comparadas sementes transgênicas ou não. De acordo com ele, uma das principais características das plantas oriundas de sementes geneticamente modificadas, é mesmo a capacidade de ser banhada em herbicida sem morrer.
Esse fator faz com que os grãos que vão às mesas dos consumidores possam carregar um nível alto de toxinas, inclusive acima do permitido. “Há dois anos, o governo do Paraná encontrou exemplares com 50 vezes mais de resíduos de herbicidas em relação ao permitido no grão de soja, em vistoria realizada pela Secretaria de Agricultura do Paraná”, observa o pesquisador. Segundo ele, a explicação é a aplicação continuada dos herbicidas, que gera resistência nas plantas dos arredores.
Além disso, Mergarejo explica que a modificação genética torna certas cultivares imunes a determinados tipos de pragas, o que pode influenciar no impacto das pragas na lavoura. “A modificação genética permite a redução da quantidade de inseticida nos primeiros períodos, mas vem se observando, na Índia, por exemplo, que pragas secundárias se tornaram as principais, e já temos indícios disso no Brasil”, alerta o pesquisador.